Várias coisas me irritam profundamente no governo Lula. A despeito de considerar que seu governo é muito, mas muito melhor do que a maioria dos seus antecessores, considero também que poderia ter avançado muito mais do que avançou. Mais pra frente retorno a esse ponto sobre o que considero os limites do PT como partido e do governo Lula como um todo. Quero me concentrar hoje no acordo firmado em novembro de 2008 entre o governo brasileiro e o Vaticano sobre a presença e papel da Igreja Católica em nosso país. Esse acordo precisa ser ratificado pelo Congresso Nacional e no último dia 12 de agosto, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou a sua constitucionalidade e o processo seguirá para ser apreciado por outras comissões. Porém, com a constitucionaliade aprovada, as portas estão escancaradas.
Segundo o Ministério das Relações Exteriores o Brasil era o único país com maioria católica que não havia ainda firmado acordo desse tipo com o Vaticano. Aqui, logo de saída, vaí uma questão: e precisava mesmo firmar isso? Ou tais acordos são, na verdade, um mecanismo que o Vaticano vem implementando mundo a fora como forma de evitar a inevitável decadência quantitativa no número de fiéis católicos? Nos EUA, por exemplo, país de formação religiosa predominantemente calvinista, a Igreja Católica é circunscrita às colônias latinas (italianos, hispânicos em geral) e a setores da população de origem irlandesa. No resto do continente americano o catolicismo vem perdendo espaço em rítimo vertiginoso para outras religiões cristãs. Em de 2007 a Conferência Geral do Episcopado Latino Americano reunida no Brasil lançou o sinal de alerta sobre o declínio rápido não apenas no número de fiéis católicos mas do próprio prestígio da Igreja frente aos povos desta região. É interessante ler como um representante do alto clero enxerga o problema:
«O número dos católicos diminuiu na última década como nunca antes na história, uma vez que se multiplicam as comunidades pentecostais e as seitas. Aumentou a indiferença e a descrença; esta última, em vários países, entre muitos jovens. A urgência de sair a evangelizar se tornou imperiosa», afirma o cardeal Francisco Javier Errázuriz, na última edição (50) da revista «HUMANITAS», da Universidade Católica do Chile, conforme postagem no blog http://blog.bibliacatolica.com.br/tag/america-latina/
Históricamente constituída desde a ocupação portuguesa, a maioria católica que agora perde espaço foi montada a partir da catequização forçada dos índios e africanos escravizados, aculturados e devidamente catolicizados através de séculos de exploração do seu trabalho e impedimento do exercício das suas religiões de origem. Não é uma história realmente edificante, exceto para aqueles que consideram ser a religião católica "superior" aos "primitivos" e "selvagens" cultos animistas de índios e negros.
A despeito de ter tido formação católica (fui batizado em Aparecida, fiz primeira comunhão e crisma), estou absolutamente distante desse tipo de visão que predominou por aqui até bem pouco tempo atrás. Há apenas sessenta anos, os cultos afros e mesmo os evangélicos eram solenemente perseguidos pela polícia e terreiros e templos eram fechados. Foi necessário uma proposta do deputado comunista Jorge Amado (sim, o escritor), nos trabalhos da Assembléia Constituinte de 1946, aprovada, para garantir a liberdade de culto no Brasil. Foi preciso o Partido Comunista propor tal liberdade pois no que dependesse da alta hierarquia católica da época.....
Voltando ao acordo, alguns artigos são de dúbia interpretação mas há um em particular que irrita profundamente:
Artigo 11
A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa.
§1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação.
Por esse acordo caberá ao Estado Nacional garantir o ensino religioso nas escolas públicas, ainda que seja em caráter não obrigatório e respeitando a diversidade religiosa. O primeiro problema está no próprio sentido da proposta: afinal de contas, qual é mesmo a necessidade de ter ensino religioso em escola pública? Escola é local de ensino-aprendizagem da ciência, do conhecimento acumulado pela humanidade e não espaço para ensinar dogmas de qualquer crença que seja. Religião é dogma, é fé e em vários momentos, preconceito puro! E aqui, caros (as) leitores (as) me refiro a todas as religiões. Cada uma com seu mundinho fechado de conceitos, normas, cultos, textos sagrados e disputando, muitas vezes a tapa - literalmente - as consciências das pessoas.
Uma das grandes conquistas oriundas do século XVIII foi o rompimento gradual com o enorme poder que a Igreja Católica - e as protestantes em geral daquela época - possuia sobre a vida das pessoas. Daquele tempo para cá imensa maioria das "verdades" estabelecidas a ferro e fogo pelo clero católico foram sendo impiedosamente demolidas pelo desenvolvimento científico. Sobrou o que mesmo? A defesa da paz, da harmonia entre as pessoas, a proteção aos mais humildes? Ora, e por acaso é preciso ter alguma religião para respeitar esses princípios? Acaso é necessário que sacerdotes de quaisquer credos inundem as escolas públicas para disseminar esses princípios básicos de convivência humana entre nossos filhos e filhas? Os meus aprendem isso na minha casa, convivendo comigo e com minha esposa e acredito que a imensa maioria das famílias façam o mesmo.
Alguém pode argumentar que o mundo é violento e o povo precisa de religião no coração. Já ouvi esse argumento várias vezes e em todas as vezes dei a mesma resposta: as religiões sempre foram fontes de guerras, opressão dos povos submetidos ao poder de sacerdotes de diversos quilates e os dois mil anos de vida da Igreja Católica são a maior prova disso. O mundo é violento há milênios e as religiões nunca ajudaram a diminuir em nada a violência humana. Ao contrário!
Religiosidade - ou ausência dela - é questão de foro íntimo e se alguém quiser ter ensinamento religioso que busque-o nas igrejas, terreiros, templos, etc, da religião que adota e não nas escolas públicas. E aqui cabe outra pergunta: como farão para garantir o respeito efetivo à diversidade religiosa que hoje está presente na maioria das escolas brasileiras? Vão colocar padres, pastores evangélicos, pais e mães de santo, monges budistas, médiuns espíritas, para dialógar com os estudantes e, ecumenicamente, orientá-los para o caminho do bem? Estou meio grandinho para cair nessa pataquada de ecumenismo. A igreja católica quer, na verdade, livre acesso às escolas para garantir a transmissão da sua visão de mundo, dos seus valores religiosos. Não estou fazendo juizo de valor sobre os valores católicos. Simplesmente não são os únicos, e, insisto, quem quiser criar seus filhos no seio dessa religião, que os encaminhe para os templos próprios, que, aqui entre nós, já tem bastante por aí.
Congresso Nacional: não cometa essa bobagem!
Fonte:
Um comentário:
Olá Carlucha! Vim comentar o meu comentário...rs
Obrigado por tê-lo reproduzido no teu blog. Sempre que algumas reflexões são endossadas por outras pessoas, que inclusive se dão ao trabalho de reproduzir, fico muito contente.
Obrigado novamente. Agora somos seguidores um do outro.
Abraço!
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